terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Um olhar sobre mim

   Paro, a buscar-me e no caminho que percorro não encontro os sonhos que perdi. Percebo espaços entrecortando caminhos e uma linguagem não falada, a me espreitar, por entre árvores que recuam, avançam, fogem... não sei de mim.
  Um barco desliza por sobre ondas. Já estive aqui? Palavras não me falma, não me permitem desvendar esse querer que há em mim. Sobre as velas içadas, como a acenar para mim, também não encontro vestígios... não me indicam o caminho a seguir. Sobre elas, no mastro imenso, observo, como faróis, um ponto a iluminar, com olhos atentos, os meus passos que tudo veem. Seguem, então, os meus olhos a caminhar espaços antigos sem, contudo, permitir-me enxergar o meu sonho guardado que, ainda, não se fez descobrir.
  No caminho, pelas paisagens da minha alma, vejo coisas que ninguem vê. Mas, vejo-as com esse olhar antigo de quem não pode além-mar enxergar.
  Quando o barco balança e as velas se agitam, são mais que velas: são os meus pensamentos, em busca de um novo chegar, percorrendo os mesmos lugares.
  Sinto necessidade de desaprender as regras injustas e os velhos caminhos. A paisagem observada pela mesma vidraça ofuscada pelo tempo, me faz querer recomeçar.
  Agora sei, decidido está: preciso entrar no processo de desaprendizagem. Desaprender para aprender, assim como Barthes, em sua Aula, quero desaprender o que a tradição ensinou. E, no passo do reaprender, sentir a velha certeza do que se quer, do alvo escondido, sob a névoa ondulante do olhar antigo e recomeçar.
  Eterna desconstrução, no caminho da reconstrução. Apagar os velhos costumes, antigas convicções, deletar comportamentos do passado e internalizar novas formas, novos conhecimentos.
  De repente, percebi que aquela velha vidraça é que me mostrava o novo como antigo. O olhar, com a visão do antigo, é que nos faz não enxergar o novo e ver tudo sob as mesmas perspectivas, sob a mesma visão antiga, à qual teimamos em nos apegar. desta forma, os conceitos antigos se sobrepõem, ofuscando o que poderia ser novo.
  Alberto Caeiro nos sugere olhar para o mundo como se fosse a primeira vez. Deixar de ver o mundo através das velhas grades que nos prendem a medos, complexos, inseguranças, preconceitos. Aprender a abrir as asas e alçar o voo para o céu. E, de lá, contemplar os valores perdidos e reaprender a amar o Amor, a caminhar devagar, tocar numa flor e seguir. Porque, ao abrirmos as asas apressadas, voamos sobre as flores sem sentir o perfume e por entre as nuvens do futuro, desesperamo-nos, a procurar aquilo que, no presente, deixamos ficar.
  Preciso, pois, reaprender a aprender o sentido das coisas belas e o lugar em que elas se encontram.
  Todos nós precisamos desaprender para aprender que a dádiva não se compra e que o que nos causa tristeza nem sempre é motivo para tanta dor.
  Hei de aprender.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

As Razões do Amor


“Os místicos e os apaixonados concordam em que o amor não tem razões. Angelus Silésius, místico medieval, disse que ele é como a rosa: “A rosa não tem “porquês”. Ela floresce porque floresce.”
Drummond repetiu a mesma coisa no seu poema As Sem-Razões do Amor. É possível que ele tenha se inspirado nestes versos mesmo sem nunca os ter lido, pois as coisas do amor circulam com o vento.
“Eu te amo porque te amo…” – sem razões… “Não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo.” Meu amor independe do que me fazes. Não cresce do que me dás. Se fosse assim ele flutuaria ao sabor dos teus gestos. Teria razões e explicações. Se um dia teus gestos de amante me faltassem, ele morreria como a flor arrancada da terra.
“Amor é estado de graça e com amor não se paga.”
Nada mais falso do que o ditado popular que afirma que “amor com amor se paga”. O amor não é regido pela lógica das trocas comerciais. Nada te devo. Nada me deves. Como a rosa que floresce porque floresce, eu te amo porque te amo. “Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários… Amor não se troca… Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo…”
Drummond tinha de estar apaixonado ao escrever estes versos. Só os apaixonados acreditam que o amor seja assim, tão sem razões. Mas eu, talvez por não estar apaixonado (o que é uma pena…), suspeito que o coração tenha regulamentos e dicionários, e Pascal me apoiaria, pois foi ele quem disse que “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. Não é que faltem razões ao coração, mas que suas razões estão escritas numa língua que desconhecemos.
Destas razões escritas em língua estranha o próprio Drummond tinha conhecimento, e se perguntava: “Como decifrar pictogramas de há 10 mil anos se nem sei decifrar minha escrita interior? A verdade essencial é o desconhecido que me habita e a cada amanhecer me dá um soco.” O amor será isto: um soco que o desconhecido me dá?
Ao apaixonado a decifração desta língua está proibida, pois se ele a entender, o amor se irá. Como na história de Barba Azul: se a porta proibida for aberta, a felicidade estará perdida. Foi assim que o paraíso se perdeu: quando o amor – frágil bolha de sabão – não contente com sua felicidade inconsciente, se deixou morder pelo desejo de saber. O amor não sabia que sua felicidade só pode existir na ignorância das suas razões. Kierkegaard comentava o absurdo de se pedir aos amantes explicações para o seu amor. A esta pergunta eles só possuem uma resposta: o silêncio. Mas que se lhes peça simplesmente falar sobre o seu amor – sem explicar. E eles falarão por dias, sem parar…
Mas – eu já disse – não estou apaixonado. Olho para o amor com olhos de suspeita, curiosos. Quero decifrar sua língua desconhecida. Procuro, ao contrário do Drummond, as cem razões do amor…
Vou a Santo Agostinho, em busca de sua sabedoria. Releio as Confissões, texto de um velho que meditava sobre o amor sem estar apaixonado. Possivelmente aí se encontre a análise mais penetrante das razões do amor jamais escrita. E me defronto com a pergunta que nenhum apaixonado poderia jamais fazer: “Que é que eu amo quando amo o meu Deus?” Imaginem que um apaixonado fizesse essa pergunta à sua amada: “Que é que eu amo quando te amo?” Seria, talvez, o fim de uma estória de amor. Pois esta pergunta revela um segredo que nenhum amante pode suportar: que ao amar a amada o amante está amando uma outra coisa que não é ela. Nas palavras de Hermann Hesse, “o que amamos é sempre um símbolo”. Daí, conclui ele, a impossibilidade de fixar o seu amor em qualquer coisa sobre a terra.
Variações sobre a impossível pergunta:
Te amo, sim, mas não é bem a ti que eu amo. Amo uma outra coisa misteriosa, que não conheço, mas que me parece ver aflorar no seu rosto. Eu te amo porque no teu corpo um outro objeto se revela. Teu corpo é lagoa encantada onde reflexos nadam como peixes fugidios… Como Narciso, fico diante dele… No fundo de tua luz marinha nadam meus olhos, à procura… Por isto te amo, pelos peixes encantados…”(Cecília Meireles)
Mas eles são escorregadios, os peixes. Fogem. Escapam.
Escondem-se. Zombam de mim. Deslizam entre meus dedos.
Eu te abraço para abraçar o que me foge. Ao te possuir alegro-me na ilusão de os possuir. Tu és o lugar onde me encontro com esta outra coisa que, por pura graça, sem razões, desceu sobre ti, como o Vento desceu sobre a Virgem Bendita. Mas, por ser graça, sem razões, da mesma forma como desceu poderá de novo partir. Se isto acontecer deixarei de te amar. E minha busca recomeçará de novo…”
Esta é a dor que nenhum apaixonado suporta. A paixão se recusa a saber que o rosto da pessoa amada (presente) apenas sugere o obscuro objeto do desejo (ausente). A pessoa amada é metáfora de uma outra coisa. “O amor começa por uma metáfora”, diz Milan Kundera. “Ou melhor: o amor começa no momento em que uma mulher se inscreve com uma palavra em nossa memória poética.”
Temos agora a chave para compreender as razões do amor: o amor nasce, vive e morre pelo poder – delicado – da imagem poética que o amante pensou ver no rosto da amada…”
                                     ( Rubem Alves)

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Sussurro

Esse sussurro tímido
não se atreve a ser voz,
jamais ousa ser grito.

Medroso, sopra o quase silêncio,
entre o temor e o querer
não sei o quê...

Esse sussurro inseguro
Tem medo de revelar-se.

Quase quieto,
a sussurrar sonhos,
assim calados,
quietos,
impossíveis (?) de realizar-se.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Em Espera

Reclinada, balança
à espera do Sol
Silenciosa, contempla
o tombar do dia
E se vai a relembrar
os dias tombados
que lhe sorriam
e os sonhos que já floriam,
em seu coração,
repleto de anseios,
tão carente de amor,
tão cansado da dor...

E, esperançosa, imóvel fica
E, ansiosa, se agita,
aflita,
a esperar a aurora,
a cantar, catando sorrisos,
a falar de paraíso,
a lutar ( pois é preciso!),
 para enxergar,
no azul,
o sol da catedral dos sonhos,
a tinir-lhe, nos ouvidos,
o som de sinos,
vozes de meninos,
a cantar, a brincar...
Nos olhos, um brilho escutar,
coração embevecido, a vislumbrar
a voz, por entre os lírios, a sussurrar:
Chegaste... Chegamos... Chegou.